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Quando falamos sobre Feminismo precisamos ter em mente que, antes de tudo, Feminismo é um Movimento Social. Justamente por isso, sofreu (e ainda sofre) mudanças estruturais e de organização no decorrer da História, até os dias de hoje.
Essas mudanças não são frutos do acaso, mas sim de seus contextos e sujeitos históricos que fazem o Movimento Social acontecer, no caso do Movimento Feminista, as mulheres e pessoas aliadas do movimento ao longo da história. Pessoas, sempre importante lembrar, como eu e como você.
Essas características do Movimento Feminista sobre as quais conversamos até agora, são aspectos que o Feminismo carrega em comum com todo e qualquer Movimento Social.
Já sobre as Ondas Feministas, é importante entender que esse conceito é um recurso didático importante para entender a história desse movimento social, porque encaixa e destaca o Feminismo dentro do contexto histórico ao qual ele pertence. Pois, como dizem historiadoras e historiadoras, nós somos frutos do nosso próprio tempo!
Mesmo assim, o conceito de Ondas Feministas precisa ser encarado com cuidado, assim como qualquer outro conceito totalizante, porque em uma análise pouco atenta em uma tentativa de tornar o conceito uniforme, podemos deixar de fora os sujeitos históricos, discordâncias, reivindicações importantes para entender como a história do Feminismo se conecta com os nossos dias atuais.
Nesse artigo, meu objetivo é que você, leitora, entenda melhor a construção do Feminismo e entenda como as reivindicações das mulheres feministas dos dias de hoje não são “puro mimimi”, mas sim fruto de uma História que vem, pelo menos, desde o século XIX(19) de muita luta e determinação!
Quatro Ondas do Feminismo
Existem muitos materiais que trabalham com apenas três Ondas do Feminismo, e isso ainda não é um consenso nem dentro dos estudos acadêmicos – feitos pelas universidades, mestres, doutoras(es) – nem nos artigos de internet.
A minha escolha por analisar a história do Movimento Feminista através das quatro Ondas do Feminismo levou em consideração a análise do tempo presente – dos últimos anos – no Brasil, na América Latina e no Mundo, onde muitas movimentações e articulações feministas aconteceram com um tempero a mais que você, leitora, logo saberá.
Isso não torna as análises das Ondas Feministas que trabalham com apenas três ondas equivocadas. São apenas escolhas didáticas diferentes.
Primeira Onda Feminista
A Primeira Onda Feminista será marcada pela luta do reconhecimento da Cidadania feminina e, por consequência, de seus Direitos Políticos.
Ela irá ganhar muito destaque na Europa e nos Estados Unidos do século XIX (19). Onde manifestações que estão nas nossas memórias até os dias de hoje irão acontecer e inspirar mulheres de outros lugares do mundo a seguirem os seus passos.
É o caso do Movimento Sufragista, na Inglaterra, onda essa Primeira Onda Feminista tinha como objetivo principal a conquista do voto para as mulheres
inglesas. Até então a participação política era reservada aos homens ingleses apenas, tornando-se assim um privilégio.
É interessante notar que o Movimento Feminista sempre enfrentou muita resistência para alcançar suas reivindicações. No caso da luta sufragista na Inglaterra, muitas pessoas criaram e se esforçaram em disseminar uma imagem muito ruim das mulheres engajadas no movimento.
Essas pessoas tomavam esse posicionamento pelos mais variados motivos. Havia pessoas que não tinham conhecimento de fato de como o movimento sufragista se organizava.
Mas também havia as pessoas que conheciam as reivindicações, entendiam os seus motivos, e ainda assim, escolhiam detonar a imagem das mulheres inglesas sufragistas da Primeira Onda Feminista, por medo de perderem seus privilégios.
Em outro artigo aqui da Historiadelas, vamos juntas fazer a leitura dessas imagens que dizem muito mais do parece sobre como o Movimento Sufragista, expressão mais conhecida da Primeira Onda Feminista, foi recebido na Inglaterra do século XIX (19).
O Movimento Sufragista, marca da Primeira Onda Feminista, vai acontecer nos Estados Unidos também. No caso norte-americano, em específico, ele estará atrelado à luta abolicionista, ou seja, à luta contra a escravização de pessoas negras.
Assim como no caso inglês, as sufragistas norte-americanas vão precisar de muita articulação para conquistar os seus direitos políticos e a sua cidadania. Mas daqui, já cabe destacar que, assim como nos dias de hoje, a luta por direitos políticos por cidadania, vai afligir as mulheres inglesas e norte-americanas, de formas diferentes, de acordo com o grupo social ao qual pertenciam.
A Luta Invisível na Primeira Onda Feminista
No caso inglês, precisamos voltar alguns anos no tempo, e lembrar de um evento histórico chamado Revolução Industrial, de forma resumida, a Revolução Industrial será responsável por transformar a mão de obra inglesa de camponeses e camponesas para trabalhadores e trabalhadoras urbanas (proletariado).
As mulheres foram mão de obra constante dentro das primeiras fábricas da Revolução Industrial e, ao lado das crianças, receberam um salário 30% menor do que os dos homens, mesmo realizando as mesmas tarefas.
As mulheres que iniciaram o movimento sufragista inglês não eram as mulheres trabalhadoras. Eram donas de casa, das classes médias e altas da Inglaterra que reivindicavam direitos políticos e cidadania para deixar o mundo privado dos cuidados da casa, do marido e dos filhos.
As trabalhadoras-proletárias também se engajaram no movimento, mas tecendo críticas fortes às mulheres de classe média e alta por não perceberem que, apesar de todas as mulheres inglesas não terem direito ao voto, as mulheres pobres sempre estiveram trabalhando.
Por isso, uma pauta forte das mulheres trabalhadoras inglesas da Primeira Onda Feminista foi os Direitos Trabalhistas e a conscientização de classe, inspiradas e apoiadas por mulheres marxistas e anarquistas.
No caso norte-americano, como conversamos acima, a luta sufragista vai começar a se organizar lado a lado com a luta abolicionista nos Estados Unidos. Mas muito importante notar que, logo que as duas pautas começam a ser discutidas mais seriamente pelos meios políticos, as mulheres que iniciaram o movimento sufragista norte-americano, que assim como na Inglaterra, era mulheres brancas de classes média e alta, passam a ver o movimento abolicionista como uma ameaça.
Para elas, homens negros escravizados e homens brancos livres tinham o mesmo potencial machista/sexista entre si. Além disso, as mulheres negras não foram incluídas logo de cara no movimento e quando começaram a apontar que elas e os homens negros tinham muito mais em comum do que com com as mulheres brancas, também passaram a ser vistas como ameaça. Nesse contexto, os Estados Unidos começaram a desenvolver uma das vertentes feministas que trataremos mais a frente, o Feminismo Negro.
A primeira e mais importante mulher que se destaca nesse desenvolvimento do Feminismo Negro da Primeira Onda Feminista foi Sojourner Truth, uma negra ex-escravizada que fará um discurso potente que ficou conhecido como “E Eu não Sou uma Mulher?” (Título original: Ain’t I a Woman?).
Em seu discurso, Sojourner Truth faz questionamentos importantíssimos, não só aos homens, contrários aos direitos políticos femininos, como às mulheres brancas que não entendiam que as demandas das mulheres negras escravizadas e ex-escravizadas tinham pontos diferentes.
Para a mulher negra, cuidar da casa, dos filhos e do marido, nunca tinha sido possível. Para a mulher negra, lutar para trabalhar fora, não era uma questão, porque ela já trabalhava fora.
Segunda Onda Feminista
A Segunda Onda Feminista veio, mais ou menos, a partir dos anos 1950. Mais ou menos porque houveram dois acontecimentos históricos importantes anteriores ao ano de 1950 que são fundamentais para entender a Segunda das Ondas Feministas.
Foram eles: 1) a Declaração dos Direitos Humanos da ONU, de 1948, escrita logo depois da Segunda Guerra Mundial, feita no pensamento de se evitar novos genocídios como os provocados pelo Nazismo Alemão e o Fascismo Italiano; 2) O lançamento do livro “O Segundo Sexo” da filósofa e pensadora Simone de Beauvoir, em 1949.
No contexto dos anos 1950, a maioria dos países europeus e americanos já haviam garantido às mulheres igualdade de direitos políticos e a cidadania que foram frutos da luta da Primeira das Ondas Feministas. A escravização de pessoas negras nesses lugares também já havia sido superada, ao menos no papel, nas formalidades.
Ainda assim, as mulheres engajadas no desenvolvimento dos direitos das mulheres constatam que, entre o estabelecimento de leis e a real transformação social, a luta não pode parar. Mais do que isso, percebem que por mais que os direitos públicos estivessem garantidos, dentro de casa, a organização sexista continuava a mesma.
Nesse contexto, a Segunda das Ondas Feministas chega com o lema: “O Pessoal é Político”. As principais reflexões e reivindicações serão sobre a vida feminina na esfera privada, ou seja, dentro de casa, como por exemplo, a dupla jornada de trabalho: onde mulheres podem e vão trabalhar fora de casa, mas toda a manutenção doméstica continua sendo de sua responsabilidade.
Além dessa pauta, reivindicações sobre como as mulheres são tratadas nas grandes mídias, seja nas novelas, nos jornais, em propagandas, também começam a ser pautas importantes. O Movimento Feminista da Segunda Onda vai mostrar que os direitos políticos não tem muita serventia quando a imagem das mulheres ainda é inferiorizada constantemente através da objetificação de seus corpos.
Ao mesmo tempo, a chegada da Pílula Anticoncepcional nos anos 1960 revolucionou a forma com as mulheres lidavam com a sua sexualidade e com a ideia do sexo ser sempre apenas para homens (independente se são solteiros ou casados) e para mulheres casadas, uma vez que a gravidez fora do casamento era um grande tabu.
É na Segunda das Ondas Feministas que surge a vertente feminista chamada “Feminismo Radical” ou “Feminismo de Raiz”, procurando encontrar a essência que faz com que todas as mulheres no mundo, de acordo com essa vertente, sejam igualmente oprimidas. O Feminismo Radical encontrará como resposta à função reprodutiva das mulheres, muito influenciado pelos efeitos de liberdade que a pílula anticoncepcional trouxe para as mulheres desse tempo, seria o controle sobre as próprias capacidades reprodutivas que libetaria as mulheres?
A Luta Invisível na Segunda Onda Feminista
Assim como na Primeira Onda, é importante trabalhar as críticas feitas por mulheres feministas que não se encaixaram no conceito uniformizador das ondas. Os estudos desenvolvidos pelo “Feminismo Radical” eram extremamente elitizados e de difícil acesso para mulheres que não estivessem dentro dos debates universitários.
Além disso, a busca por uma “essência da opressão feminina” se baseava nas demandas e visões da opressão sexista dessas mulheres acadêmicas, mais uma vez, em sua grande maioria, brancas e das classes médias ou altas.
O Feminismo Negro e o Feminismo das Mulheres Trabalhadoras (Marxista) irá continuar se aprofundando durante a Segunda das Ondas Feministas justamente para conseguir defender e articular as dificuldades específicas dessas mulheres.
Essas vertentes irão mostrar mais a frente, no desenvolvimento dos seus estudos, que não é necessária uma categoria única e universal do que é ser mulher para conseguir se combater o sexismo. E que compreender como o sexismo atinge de formas diferentes cada mulher é importante para conseguir desarticulá-lo.
Apesar das discordâncias, o Feminismo Radical que foi feito durante a Segunda das Ondas Feministas vai trazer importantes debates para dentro do movimento feminista como por exemplo o papel da pornografia e da prostituição feminina na manutenção do sexismo.
Terceira Onda Feminista
A Terceira das Ondas Feministas se desenvolveu entre os anos 1970 e 1990. Aqui as teorias que foram sendo desenvolvidas pelas mulheres das margens, negras, pobres, periféricas, começam a ganhar maior destaque no mundo.
A ativista feminista Kimberlé Creenshaw desenvolveu o termo “interseccionalidade” para tratar de todas essas diferenças que foram sendo construídas ao longo das Primeira e Segunda Ondas Feministas e para questionar uma possível universalidade para o que seria “ser mulher” que foi pauta especificamente da Segunda Onda.
Essas discussões mais inclusivas às mais variadas realidades do que é “ser mulher” puderem ser vistas de várias formas. Em 1975, por exemplo, aconteceu a 1ª Conferência Internacional de Mulheres pela (ONU), no México. Os anos de 1975 e 1985 foram considerados a década da mulher e, apesar de ter uma história mais complexa, o Dia Internacional das Mulheres (08 de Março) também foi definido nessa mesma época.
Problemas Novos na Terceira das Ondas Feministas
A Terceira Onda Feminista vai ser cooptada pelas grandes mídias e pelas grandes corporações! Assim como as demais ondas são fruto de um contexto histórico específico, a Terceira das Ondas Feministas acontece em um cenário que atravessa o final da Guerra Fria.
De forma sintética, muita gente acredita que durante a Guerra Fria, o único confronto era sobre qual modelo econômico seguir: o Capitalismo, importado pelos Estados Unidos, ou o Socialismo, importado pela URSS. Mas muito mais do que economia, esse embate envolvia política, cultura, sociedade, religião, todos os aspectos de interação humana.
Com a vitória dos Estados Unidos e, consequentemente, do Capitalismo. Os grandes mercados, as grandes mídias passaram a perceber que o Movimento Feminista não era mais um movimento social que podia ser freado. Para não ter que combate-lo de frente, usando as mais variadas forças, passou a tentar desarculá-lo. É da Terceira Onda Feminista que passam a tentar vender o feminismo como um grande estilo de vida e despolitizá-lo, torna-lo individual. E são muitos os exemplos de mulheres empoderadas na TV, na política, associando o Feminismo com o ter, comprar, vender e possuir os mais variados tipos de produtos.
Quarta Onda Feminista
A Quarta das Ondas Feministas é marcada pela ascensão dos usos das redes sociais e dos smartphones: ICQ, MSN, Orkut, Facebook, Whatsapp, Instagram, Twitter, Tik Tok. Todas essas redes reinventaram as formas como os seres humanos se articulam e interagem.
Assim como foi em todas as Ondas Feministas anteriores, a Quarta Onda Feminista se articulou com seu contexto histórico. A partir do uso das Redes Sociais, o Movimento Feminista precisou se reinventar e, junto com as articulações feitas por Organizações Feministas, ONGs, utilizar as novas tecnologias como forma de Organizar, Conscientizar e Propagar o Feminismo.
Para as mulheres que vivenciaram as outras Ondas Feministas, pode parecer que as articulações movimentadas pela Quarta Onda, junto com os efeitos trazidos pela cooptação da pauta pelo Capitalismo, o Feminismo tenha perdido força. Mas com uma rápida avaliação desde os anos 2000, conseguimos perceber que as pautas feministas como violência doméstica, cultura do estupro, sexualidade, direitos reprodutivos, conseguiram importantes movimentações internacionais.
Exemplo disso foi a Greve Internacional de 2017, que começou a ser articulada no final do ano anterior por mulheres polonesas e que repercutiu em mais de 55 país, levando a greve de 8 de Março de 2017, incluindo o Brasil na conta. Também podemos citar o movimento #NiUnaaMenos que nasceu nas redes sociais após casos de violentos feminicídios na América Latina e que repercutiu até na América do Norte.
Quarta Onda e suas Peculiaridades
Os problemas apresentados na Terceira das Ondas Feministas são aprofundados na Quarta Onda porque assim como a maioria da população, as grandes corporações e as grandes mídias também tomaram as redes sociais. Mais do que isso, as Redes Sociais são mantidas por grandes corporações e bilionários do mundo, fazendo com que os números e algoritmos sejam comandados por quem tem mais dinheiro para investir.
Uma particularidade da Quarta das Ondas Feministas, é a necessidade cada vez mais rápida de ter e transmitir informações, o que faz com que informações falseadas, e meias-verdades sejam reproduzidas em larga escala sobre vários assuntos, o Feminismo é um deles.
Nessa cenário, as informações que mais ganham repercussão são as que remetem o feminismo a um estilo de vida, como citado e exemplificado acima, mas também informações antifeministas, muito parecidas com as construções feitas sobre as sufragistas inglesas da Primeira das Ondas Feministas.
Andando nas redes, não é raro encontrar discursos que alcançam grande audiência sobre como as feministas odeiam os homens, as crianças e os religiosos. E resumindo a luta de mais de 3 séculos a uma rixa ou “mimimi”.
A Historiadelas está aqui para ocupar esse espaço e combater meias-verdades.
A Historiadelas espera que, através desse artigo, você tenha entendido um pouquinho mais sobre o Feminismo, as Feministas e como as reivindicações das mulheres dos dias de hoje são fruto de uma História de Luta, de articulação e de força.
Tenho certeza que durante a leitura, ao menos uma mulher veio na sua cabeça. Seja para concordar ou discordar, compartilha com ela!
Referências Bibliográficas do Artigo
ARRUZZA, Cinzia; BHATTACHARYA, Tithi; FRASER, Nancy. Feminismo para os 99%: um manifesto. São Paulo: Boitempo, 2019. 128 p.
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SCOTT, Joan. A Invisibilidade da Experiência. In: Projeto História, nº16, 1998, p. 2297-327.
SCOTT, Joan. Gênero: Uma Categoria Útil para Análise Histórica. Nova York: Columbia University Press, 1989. (Trad: Christine Rufino Dabat, Maria Betânia Ávila)