Luísa Mahin e a Revolta dos Malês

Dia 25 de Janeiro de 1835. Um levante popular se organiza contra a Escravidão e a Intolerância Religiosa. Entre as lideranças da articulação da Revolta está Luísa Mahin. Uma mulher negra, mãe, quituteira. Como a Revolta dos Malês e a história de Luísa Mahin pode impactar e inspirar nossas lutas cotidianas?

Existem alguns mitos sobre a formação do povo brasileiro. Alguns consideram o povo brasileiro omisso e muito pacífico. Outros consideram que atrocidades históricas só aconteceram por conivência dos explorados, como no caso da escravidão brasileira.

Porém, o conhecimento histórico sobre o nosso passado nos faz perceber que o povo brasileiro, os escravizados, os indígenas, as mulheres, e todos os “excluídos da História” sempre estiveram em movimento lutando pelo seu direito a existência e por sua sobrevivência.

Luísa Mahin – quem foi?

Luísa Mahin foi uma mulher livre nascida na Costa da Mina, em África, no século XIX (19), pertencente ao povo Mahi, da nação Nagô. Era filha de pessoas importantes em seu território de nascimento, sabia ler, escrever e dominava bem seu idioma.

As pessoas da região onde morava em África tinham como religião o Islamismo e, apesar da escravização, lutaram para manter seus costumes e preceitos em território brasileiro.

Luísa Mahin foi trazida como escravizada para o Brasil e aqui viveu na província da Bahia, na cidade de Salvador. Tinha como profissão ser quituteira, vendendo doces em tabuleiro pelas ruas da cidade baiana.

Assim como seus conterrâneos, Luísa Mahin era islâmica. Em um Brasil que tinha como religião oficial o Cristianismo católico, recusou-se ao batismo e as doutrinas da religião oficial do Brasil no período.

O Período Regencial

O Período Histórico onde Luísa Mahin viveu e a Revolta dos Malês aconteceu ficou conhecido como Período Regencial (1831-1840) do Brasil. Na época, D. Pedro I havia abdicado do trono brasileiro, e seu sucessor, de acordo com a Constituição de 1824, D. Pedro II, não tinha a idade necessária para assumir o seu lugar.

Durante esse período, o governo brasileiro estava nas mãos de vários regentes. No ano de estopim da Revolta dos Malês, o regente era Diogo Antônio Feijó, que ficará nesse posto de 1835 até 1837.

O Período Regencial como um todo será marcado como um período de grande instabilidade dentro do território brasileiro. Economia, política, sociedade em grandes transformações e com a grande maioria da população distante e impedida de participar das decisões sobre o rumo do país.

A Revolta dos Malês

O Levante Popular que teve como palco a Província da Bahia, na cidade de Salvador, leva o nome de “Malê”. A palavra vem da expressão “imalê” que, em iorubá, significa “negro muçulmano”, e resumia as pessoas que sabiam ler, escrever, falar o árabe e seguiam os preceitos do Islamismo. A Revolta dos Malês aconteceu na madrugada entre os dias 24 e 25 de janeiro de 1835 e colocou Salvador em polvorosa.

O levante foi organizado e comandado por negros e negras escravizados e libertos. Os motivos da revolta são heterogêneos, entre os principais objetivos, pode-se destacar o fim da escravidão e o fim da imposição religiosa do Catolicismo.

A Revolta dos Malês teve uma duração curta de apenas 1 dia, mas repercutiu por todo o Brasil Regencial, inflando os medos dos brancos de uma revolução negra, tal qual ocorrida no Haiti.

Atuação de Luísa Mahin na Revolta dos Malês

Luísa Mahin era quituteira e, através do uso de sua profissão, distribuía mensagens em árabe aos participantes da Revolta dos Malês, através dos doces que vendia, reunindo cerca de 600 negros e negras para participação no levante popular.

Luísa Mahin era mãe de Luís Gama (1830-1882) que, no final do século XIX, se tornou um dos principais e mais conhecidos abolicionistas do território brasileiro que teve sua trajetória marcada pelo paradoxo de ser filho de uma mulher escravizada e de um fidalgo branco.

Imagem de Luís Gama, com fundo roxo e logo da Historiadelas na esquerda inferior.
Luís Gama – Fonte: Reprodução da Internet

Antes de sua participação na Revolta dos Malês, Luísa Mahin apresentava resistência contra a colonização europeia e contra a escravidão com sua postura de vida. Enquanto mulher Islâmica, recusou-se ao batismo e as doutrinas do Cristianismo, religião oficial do Brasil no período.

A Revolta dos Malês foi duramente reprimida pelas forças do Governo de Diogo Antonio Feijó. Seus participantes foram desarmados e perseguidos pelo governo. Alguns foram condenados a morte, outros ao degredo.

Após o fim da Revolta dos Malês, Luísa Mahin fugiu para o Rio de Janeiro, onde foi detida. O seu destino mais provável foi a deportação de volta para as terras africanas, pena comum no período, embora não haja evidências históricas sobre o fim de sua história.

Luísa Mahin realmente existiu?

Os relatos sobre a existência de Luísa Mahin vêm, em grande maioria,  das cartas e obras produzidas por seu filho, Luís Gama, que a descreve como uma mulher “pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã. Minha mãe era baixa de estatura, magra, bonita, a cor era um preto retinto e sem lustro, tinha os dentes alvíssimos  com  a neve,  era muito  altiva,  geniosa,  insofrida  e vingativa”.

Fora as cartas de Luís Gama, existem poucas evidências históricas sobre a sua existência. Apesar disso, a construção da trajetória de Luísa Mahin e de seus significados para o Movimento Negro e para a História das Mulheres não podem ser desconsiderados. 

Ainda sobre a comprovação de sua existência em documentos históricos oficiais, como documentos do governo ou da província da Bahia, é importante lembrar que não havia nenhum interesse político de preservar fontes históricas de escravizados e escravizadas no Brasil, muito menos sobre seus levantes, revoltas e reivindicações contra a escravidão.

Sendo assim, as fontes orais, os testemunhos, os cantos, os escritos não oficiais produzidos de gente comum para gente comum são fontes históricas que devem ser consideradas e analisadas em conjunto com os documentos oficiais para preservar e reconstruir o passado dos “excluídos da História” brasileira.

Inspirações para o tempo presente

Luísa Mahin continua sendo inspiração de coragem e as lutas dos Movimentos Sociais junto com o desenvolvimento de pesquisas a seu respeito, sobre a Revolta dos Malês e o Período Regencial continuam a dar frutos e trazer visibilidade para sua História.

Em 2019, o Senado aprovou a sua entrada e a entrada de outra mulher negra muito importante para a História brasileira – Dandara dos Palmares – para o livro de Heróis e Heroínas da Pátria. No mesmo ano, foi inspiração do samba-enredo da Mangueira. E foi citada em diversos poemas e cordéis.

Referências Bibliográficas

Santos Faustino, S. K. (2021). CONSTRUÇÃO DO MITO LUÍSA MAHIN A PARTIR DOS FRAGMENTOS DE MEMÓRIA DO LUIZ GAMA. Revista Em Favor De Igualdade Racial, 4(1), 169–178. https://doi.org/10.29327/269579.4.1-15

GAMA, Luiz. Carta autobiográfica de Luiz Gama. Destinatário: Lúcio Mendonça. Salvador, 25 jun. 1880. 1 carta pessoal. Disponível em: 116741-Texto do artigo-214577-1-10-20160627 (1).pdf. Acesso em: 18 jan. 2023.

ARRAES, Jarid. Heroínas negras brasileiras: em 15 cordéis. São Paulo: Pólen, 2017.

BRASIL. LEI Nº 13.816, DE 24 DE ABRIL DE 2019. Inscreve os nomes de Dandara dos Palmares e de Luiza Mahin no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 abr 2019. Seção 1, p. 2.

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